terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Fresh Start


O vento fá-la tiritar como a última folha de uma árvore moribunda, deixo que ouça os meus passos.
Ela retesa-se só por segundos.
-Boa noite?
-Olá... A apanhar ar ou aquela gente chateia-o tanto como a mim?
-É só mais uma festa sem graça, vim aqui fora mesmo por si, já à algum tempo que a observo, é tudo o que um homem pode desejar, não é só pelo seu rosto, a sua figura, ou a sua voz.
-É o seu olhar e tudo o que vejo nele.
-Que vê no meu olhar?
-Vejo uma calma exterior, mas ao mesmo tempo sinto um turbilhão dentro de si, está farta de fugir e está pronta a enfrentar o que for preciso, desde que não tenha que o enfrentar sozinha.
O silêncio que se seguiu fez com que o ar se tornasse gélido, numa noite até quente para a época, mas não se fez sentir durante muito tempo, pois ela retorquiu com:
-Pois...
-Mas o que o levou a dizer isso?
-Uma boa festa, uma Mulher como você, poderia estar lá dentro acompanhada de qualquer um dos homens presentes, no entanto...
-Está aqui fora sozinha, e não está a fumar, por isso...
-Você é atento, gosto disso.
-E não, não quero mesmo ter de o enfrentar sozinha.
Debruço-me sobre o varandim, e ficamos próximos, o seu odor é como os anjos deveriam de cheirar, o perfume dela tem um aroma de doce promessa que me traz lágrimas aos olhos, num impulso incontrolável abraço-a, o vento faz electricidade no ar, ela é macia, quente e quase sem peso.
Murmuro-lhe ao ouvido:
-Vai correr tudo bem, eu salvo-a do que tem medo e levo-a para muito longe.
As palavras entraram rápidas como que um projétil vindo de uma arma com silenciador, sem alaridos, mas com a força e precisão necessários para ela as entender tal como eu as sentia.
-Sei que acabamos de nos conhecer, mas sinto que posso confiar em si e nas suas palavras, mas ao mesmo tempo não sabemos nada do passado um do outro.
-Porquê isto?
-Porque é o que sinto, e o passado não me interessa para nada, não é para lá que caminho, mas sim para a frente, e sem retrovisores.
Ela esboça um ténue sorriso e pede-me:
-Leve-me daqui.
Já no carro ela acende dois cigarros e passa-me um, provo o seu bâton nele e de repente o meu coração bate tão forte que não oiço mais nada, só penso em toca-la e saborear seus lábios...
Mas não havia pressas, pois tinhamos todo o tempo do mundo.



Fugitivo

7 comentários:

  1. Adorei este post. Fez-me lembrar uma cena de um filme de culto, um filme que AMO,...é um dos meus filmes favoritos, featuring William Hurt e Kathleen Turner.

    http://stargazers-notebook.blogspot.com/2009/06/body-heat-lawrence-kasdan.html

    Beijo deliciado num Óscar,

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  2. Stargazer

    Tenho que lhe confessar que foi depois ver um filme também já com alguns anitos que me deu vontade de escrever este Post.

    Beijos em Fuga

    Fugitivo

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  3. Sempre pode ser um remake... mudam-se os intervenientes, recuperam-se cenários, rescreve-se o guião. Pouco ou nada muda.... talvez apenas a estação....

    Gostei.... sóbrio.
    Airam

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  4. Airam

    Um remake?
    Sim, mas como em qualquer filme, ao mudar os intervenientes tudo pode mudar...

    Beijos em Fuga

    Fugitivo

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  5. Belissimo, li e voltei a ler...
    Adorei o final...
    "Mas não havia pressas, pois tinhamos todo o tempo do mundo"
    Sem pressas por vezes pode ser o inicio de um belo elenco...
    Escolha musical *****
    Fugas sem pressa
    :))
    Beijos Natalícios

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  6. Nikita

    A pressa sempre foi inimiga da perfeição, há que dar tempo ao tempo.

    Beijos em Fuga

    Fugitivo

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  7. E tão bom deixar as coisas fuirem com calma... ter-se tempo para aproveitar cada traço novo pincelado na vida que se vai criando em torno dos acontecimentos.

    Um fresh start é algo de inspirador!

    Beijo libertyo

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